quarta-feira, 27 de maio de 2009

Objeto de estudo


Quando a alma não mais habitar meu corpo, quero doá-lo para uma faculdade de medicina.

Antes de assim decidir, havia pensado em pedir para ser cremada, mas isso demandaria um alto preço. Uma fábula. Não valeria a pena.

Pensei também em pedir para me jogarem ao mar, deixar os peixes, os tubarões, de preferência, pelo seu apetite voraz, darem cabo rapidamente do repasto. Mas tem a parte legal. Não seria certo solicitar isso a alguém. Se é que eu arranjaria um louco o suficiente para tal façanha. Talvez se pagasse... Mas aí volto ao problema do custo.
Idéia descartada.

Tudo isso em razão de não suportar velórios, enterros, missa de corpo presente, de mês, de ano, e sei lá mais o quê. Sempre achei essas cerimônias fúnebres todas sem sentido, dissonantes. O pregador profere uma série de palavras bonitas ( e vazias ) sem saber nem que tipo aquele ser humano foi. A maioria das pessoas ali estão mais por um sentimento de dever que de amizade ou vontade. É muito comum se ouvir dizer: fui porque não tinha outro jeito; há coisa das quais não conseguimos fugir; temos que cumprir com as nossas obrigações ... Fora os que comparecem na intenção de ver quem chorou, quem sofreu, quem sorriu.
O ambiente dessas ocasiões é triste, pesado, melancólico, tétrico. Não é de admirar que as pessoas vão só se não puderem evitar.

Decididamente não quero isso prá mim.

Depois, abomino a idéia de ter meu corpo trancado num caixão,jogado dentro de um buraco, com um monte de terra por cima. Imaginar as minhocas e outros bichos banqueteando-se naquela substância orgânica em decomposição causa-me náusea.

Tem também a parte prática da coisa. Gasta-se uma pequena fortuna para sepultar alguém. Um desperdício de dinheiro que pode ser aplicado em outras coisas mais agradáveis.
Se é pra gastar façam uns comes e bebes. É muito mais interessante. E ninguém precisará comparecer por obrigação.

Com a doação além de evitar esse dispêndio, ainda poderei ser útil aos estudantes,
que têm bastante dificuldade em conseguir esse material de estudo.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sacos de Pancada




Nunca pude compartilhar esse sentimento terno, quase que generalizado, quando o assunto é mãe.
A minha, quando éramos crianças, batia em mim e em meus irmãos por motivos tolos, e até mesmo sem. E não um simples tabefe, eram surras homéricas, com um dos cinturões do meu pai ou com o chicote trançado de couro do seu cavalo. Um de nós era obrigado a ir pegar o instrumento escolhido para aquele intento.

Antes de principiar a fustigar o transgressor do dia, ordenava que tirasse toda a roupa e levantasse os braços, então surrava sem dó nem piedade, até quase tirar sangue. Açoitava só as partes que ficariam cobertas quando vestidas, - nossas roupas, na época, chegavam à altura dos joelhos. As chicotadas castigavam a nossa pele, deixando marcas vermelhas no corpo e negras na alma. Por vezes, a dor era tão intensa e aguda que causava ondas de arrepio que percorriam todo o corpo nu, possivelmente quando o chicote batia num lugar já golpeado antes. Em algumas dessas ocasiões era impossível segurar a urina.

Éramos três: duas meninas e um menino. Enquanto o primeiro apanhava, ficavam os outros dois aguardando a sua vez, pois ela nunca batia só em um, dizia que era para a gente não ficar mangando uns dos outros. Havia uma tortura naquela espera,uma antecipação da dor, junto com a convicção de que muito em breve cada qual sentiria na sua própria carne, a ferida que o outro já experimentava. Nesse espaço de tempo que antecedia o tormento, nossas mãos contorciam-se de nervoso e cada um se debatia num conflito íntimo de não saber se rezava pedindo para ser o próximo e acabar logo aquele penar, ou se para adiar o martírio por mais alguns minutos, e quem sabe, nesse meio tempo algum milagre acontecia. Ela bem que podia morrer de repente, por exemplo.

Não havia uma ordem definida para o segundo e o terceiro. Não havia um critério pré-estabelecido. Podia ser um ou outro. Era uma escolha de momento. Quando considerava que aquele inadvertido, o que havia facilitado o pretexto para a saraivada de chibatadas, já havia apanhado o bastante, ela saía do quarto, olhava para os outros dois, apontava o dedo na direção de um e dizia : agora venha você.

Havia também a orquestração do choro : não podia ser muito alto para os vizinhos não escutarem, nem muito baixo que ela não pudesse ouvir, ou nenhum, porque significava que estávamos fazendo pouco dela. Se segurasse o choro, tinha gênio ruim e ficava apanhando até chorar. Se chorasse pouco, voltava a apanhar para poder chorar mais. Se um risse do pranto do outro e ela percebesse, era o sinal de que aquele não apanhara o suficiente, então era espancado novamente.

Se a sova ocorresse no final da tarde, logo depois tínhamos que tomar banho, lavar bem o rosto, para que nosso pai ao chegar a casa para o jantar, não percebesse que havíamos chorado. Se por acaso ele indagasse o porquê de estarmos com os olhos inchados e vermelhos e a gente contasse o que houve, ela prometia que no dia seguinte a surra seria dobrada. Mas ele nunca nos interrogou !

Nessas noites, custávamos a pegar no sono, sem encontrar uma posição na rede que não provocasse alguma dor.

Por conseguinte, ainda hoje, sinto um certo estranhamento quando ouço ou leio que mãe é o ser mais doce e meigo que pode existir, que mãe é sinônimo de acolhimento, carinho , proteção e outras cousas do gênero ...
Nesses momentos ponho-me a matutar: - Por que cargas-d'àgua ninguém nunca jamais falou isso à digníssima senhora, nossa mãe?

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Miolo de Pote

Semana Santa me lembra infância. Quando a gente comia bacalhau com uma vergonha danada. Almoçávamos silenciosamente,acabrunhados.No íntimo cada um de nós rezava, para que nenhuma das nossas amigas, ou mesmo algum conhecido dos nossos pais batesse à porta àquela hora. Se isso acontecesse cada um corria até a cozinha para esconder o prato,engolia sem mastigar direito o que tivesse na boca, com o coração batendo a mil, tal era o vexame, e negar ao chegar na sala se perguntassem se a gente estava almoçando. Não, já acabamos faz tempo.

Naquela época comer bacalhau na Semana Santa era apresentar atestado de pobreza. Era o mesmo que num dia comum comer feijão com farinha, puro sem tempero. O tempero propriamente dito era a carne, mas na falta desta, também podia ser uma manga ou uma banana. Até mesmo sardinha em molho de tomate.Ah não posso esquecer daquelas latinhas de carne em conserva, que também chamávamos de quitute. Não me recordo se esse era o nome da marca na latinha.Aquilo fazia uma festa !Se um dos filhos reclamava que a comida estava sem gosto, nossa mãe falava : você é que não está com fome. Tempero de comida é fome. Quando a gente não tá com fome fica botando gosto ruim em tudo. Quando a gente tá com fome de verdade come até pedra e acha bom. Era isso que ela dizia. Volta e meia.

Hoje, comer bacalhau é chique. Qualquer receita que leve este ingrediente é muito apreciado e valorizado. É top do top. É quase tão chic quanto o Brasil emprestar dinheiro ao FMI.

sábado, 28 de março de 2009

Tempo, Senhor do Destino



Há momentos na vida em que tudo de que precisamos é falar com alguém. Não com uma pessoa qualquer, mas com alguém que estimamos, que julgamos especial. Ela, provavelmente, nada poderá fazer por nós, dependendo da gravidade da situação,entretanto se ela estiver lá, nos disponibilizar alguns minutos do seu dia, já nos terá feito muito. Já nos terá feito tudo.
Ela saberá ouvir sem nos interromper, e no final nos dirá palavras de conforto. Reafirmará sua amizade e ainda dirá , embora cansada de nos ouvir ,que pode voltar a procurá-la quando precisar. Que estará sempre lá ...
Todavia,nem sempre podemos contar com isso. Muitas vezes essa pessoa amiga já está assoberbada com suas próprias obrigações. Não tem tempo. Nossa ligação naquele momento é um transtorno. Nem cogita que àquele chamado pode ser muito importante para quem o faz.
Isso já aconteceu comigo. Já bati na porta de pessoas que não estavam disponíveis para me ouvir. É bem provável que eu já tenha feito o mesmo com alguém. E Lamento. Lamento por mim que não fui acolhida quando precisei, lamento por não ter acolhido quem de mim necessitou.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

De luz e de Sombra


Há um lado obscuro em cada ser. Tão obscuro que até mesmo quem o possui desconhece sua dimensão e profundidade. Não por acaso tem um ditado que diz que não devemos colocar a mão no fogo por ninguém. Ele se nos revela geralmente em ocasiões extremas. Por exemplo, ao sofrermos uma violência, ao sermos desrespeitados em nossos direitos, ao sentirmo-nos ofendidos em nossa própria pele ou na de quem nos é caro. Ele se revela também em situações de conflito interior, ou quando queremos conquistar alguém. Para se tornar merecedora desse afeto, há pessoas que são capazes de coisas inimagináveis. Fingem ser quem não são. Em regra, fingem ser melhores do que na realidade são. Dizem até que no amor e na guerra todas as táticas são válidas.
Falamos de uma pessoa ausente o que não diríamos em sua presença. Nem sempre é por pura maldade. Carentes como a maioria de nós somos, estamos sempre tentando agradar a pessoa que está ao nosso lado, dizendo muitas vezes o que ela quer ouvir, e não, o que pensamos de verdade.
Mas há também um lado claro e brilhante em cada ser. Que nos leva a superar limites,transpor barreiras, ir além, ...
Chegamos a surpreender não só aos outros como a nós mesmos.Não é incomum ouvir alguém dizer : se há algum tempo me dissessem que eu seria capaz de tal feito , eu não acreditaria. Por isso alguns chegam a tomar atitudes exemplares, heróicas.
Enfim, somos todos seres multifacetados. O importante é não adotar uma máscara,e usá-la como se fosse nossa real face.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Fernando Pessoa ( 1888-1935 )



A literatura,como toda arte, é uma confissão de que só a vida não basta.
***
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei aonde ela me levará , porque não sei nada.
***
No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.
***
Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me despersa e sobressalta!
***
A razão é a fé no que se pode compreender sem fé.
***
Vivemos todos , neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem.
***
De meu, só sinto uma incapacidade enorme, um vácuo imenso, uma incompetência ante tudo quanto é vida.
Nunca aprendi a existir.
***
Ler é sonhar pela mão de outrem.Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.
***
Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado, pertence ao mundo e a toda gente.
***


Fragmentos do Livro do Desassossego.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Zero grau




Meu coração é um lago gelado.
Mas, dentro dele mora um
vulcão adormecido.


Desconheço a autoria.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Benquerer


Quando você nasceu algo em mim mudou. Lembro perfeitamente, como se hoje fosse, que num determinado dia, ao te olhar descobri que habitava em mim um sentimento de ternura e carinho até então desconhecido.
Eu comecei a me encantar, a gostar de alguém , a gostar de gostar.
Sempre te vi de uma forma diferente. Para mim você nunca foi só mais uma irmã.
Eu te olhava e pensava , poxa ela é minha irmãzinha. Obrigada Senhor por isto !
Na época eu não sabia, mas foi você quem primeiro me ensinou a conjugar o verbo amar. Eu era uma criança apática e solitária ,um ser silencioso. Aliás, como todos em casa éramos. Mas a sua presença proporcionava a mim um certo conforto.
Dia feliz foi quando nossa mãe me disse que eu seria sua madrinha. Era ser mais que irmã, era ser co-responsável por você. Sendo nossa diferença de idade de quase dez anos, assumi isso como uma missão. Levei para minha vida toda essa idéia. E com muita alegria. Nunca me pareceu um peso.
Quando te trouxe para morar em minha companhia, embora ainda fosse jovem para assumir tal responsabilidade, fiz o que me era possível para te ajudar a crescer, a realizar teus sonhos.
Já formada vi você partir para batalhar por emprego, se organizar financeiramente,casar e constituir família. Com uma filhinha linda. Parecia que tudo estava perfeito : realizada na profissão, feliz na vida pessoal. Infelizmente assim não era.
Lamento não ter tido tato para lidar com a situação. Lamento ter me envolvido demais. Ou de menos.
Quanto tempo de convivência perdemos. Será que tudo teria sido diferente ? Nunca saberemos.
Hoje com o seu estado de saúde abalado, dói-me imensamente acompanhar tudo à distância, sem poder te ajudar de uma forma mais efetiva.
Como não posso pedir a Deus para o tempo voltar, só posso rogar a Ele para colocar no teu caminho as pessoas certas para tornar a luta contra essa doença ingrata, eficiente e se possível leve. E que jamais te chame para junto dEle antes de mim ...



" O nosso coração está sempre ligado ao coração de quem queremos bem " Independente de distância. Independente de lugar.
E assim estaremos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sertão de Mel


Sertão seco
Ser tão doce
Sertão de morte
Ser tão forte

Sertão de dor
Ser tão boa
Ser tão bela
Ser tão madura

Sertão distante
Sertão cruel
Ser nesse instante
Ser tão Mel

Sertão longe
Ser tão firme
Sertão deprime
Sertão dos monges

Sertão do norte
Da Paraíba
Tua saída
Ser tão de sorte
És sertãozinha
És ser tão minha



Pólen da flor.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A danada da Cachaça




Eu e uma amiga, lá dos tempos de “Cachaceiras,”nunca recusávamos um convite para tomar umas e outras.Não precisava de nenhum motivo em especial, tudo era pretexto para uma cachaça. Vale salientar que cachaça prá gente, era tudo que continha álcool.
Um dia, numa reunião na casa de amigos ,dessas em que cada um leva uns objetos de mastigar ou líquido etílico, estando ela especialmente triste com o fim de seu último romance, e eu, não lembro bem porque, mas também estava a fim de tomar todas, ficamos realmente ruim das pernas.
Lá pelas 10 da noite, vínhamos nós retornando para casa. A pé. Cidade pequena. Todos se conhecem. Junto, levávamos um grande caldeirão,que continha sobras de algo de que não lembro ,que tínhamos levado como contribuição para acompanhar a bebedeira. Não sei se a gente levava o caldeirão ou se era ele que nos levava. O fato é que ele era o nosso ponto de equilíbrio, pois ora descambava para um lado ora para outro, conforme cambaleávamos. De vez em quando parávamos um pouco para evitar que entornasse.
Quando chegamos no início da rua em que morávamos, caminhamos com especial cuidado, pois não queríamos que a minha mãe, que estava na calçada de casa me esperando, percebesse o nosso estado etílico. Mas, num minuto de descuido, o desequilíbrio se acentuou e ouvimos o tilintar da tampa de alumínio ( não vivíamos ainda a era do plástico ) do caldeirão ecoando pelo chão de cimento. E aí não só a minha mãe percebeu o meu (o nosso ) estado, como todo o pessoal que estava na rua àquela hora. Difícil foi se abaixar para pegar a tampa. Tudo girou. Inclusive o que havia dentro do meu estômago. Eu temia que tudo que havia ingerido nessa noite , se revoltasse lá dentro e saísse pela boca. Que sufoco. Mas conseguimos chegar de pé em casa, sem que a revolta alimentar se confirmasse.
Depois disso,nada mais a fazer senão esperar pelo sermão do qual eu não escaparia.
A meu favor devo dizer, que nessas condições, de passar do limite do razoável, só fiquei um ou duas vezes mais ...

Recife





De encantos mil ,
de belas paisagens,
que o pôr-do-sol realça.


Esta foto é de minha amiga Nanda,
uma maranhense que se encanta e registra ,
por onde passa,as paisagens deslumbrantes
do nosso país.