segunda-feira, 3 de maio de 2010

Era uma vez ...

Essa frase tinha uma magia desproporcional para mim.Na minha infância, bastava ouvi-la, para meu ser todo ficar repleto de encantamento antecipado pela história que eu iria ouvir. Eu já me preparava para me transportar para o mundo das fábulas.

Lembrei-me disso por causa de Denize. Ela vive idealizando amores.
Fantasiando situações. Sempre apaixonada, não por alguém,mas por uma ilusão. Nunca parou para pensar porque, mas era totalmente avessa a relacionamentos, a reais envolvimentos.

Quando se interessava por alguem - e isso era um estado natural dela- começava logo a imaginar o grande amor que viveria com o eleito em questão.Para isso, era vital não ser correspondida. Morria de amores até o dia em que o carinha se aproximava. A partir daí ela só via defeitos; visíveis, perceptíveis e imaginários.

Dizem que há mulheres que tem o dom de afastar os homens que por elas se interessam. Era , sem nenhuma dúvida, um desses casos.Por sorte os carinhas logo desistiam dela.Afinal ela não era nenhum sonho de beleza. Não era exatamente feia, mas apagada, sem o brilho que a autoestima proporciona.E também ela não lamentava muito não. Pensava - se aquele cara se interessou por mim , boa coisa não deve ser.O interessante, o que lhe dava verdadeiro tesão, era o romance que ela construia na sua cabeça assim que conhecia um rapaz. A participação dele só atrapalharia o andamento da história.

Bastava uma troca de olhares, se batesse no gosto dela ,pronto, já era suficiente para criar um enredo romântico com ele na sua fértil imaginação. Normalmente ela evoluia de um para outro sem grandes traumas ou lapsos de tempo.

Mas houve um caso em especial.

Foi assim.

Ela trabalha numa grande loja de departamentos. Com várias filiais na cidade e fora dela. Uma dia ao ir à matriz, (ela tabalha numa filial ) ela viu de passagem um carinha que foi bater o olho e gamar. Se olharam. Bastou isso para o castelo das ilusões começar a ser erguido.E assim se passaram anos, apenas se olhando.Perderam-se de vista. Tempos depois ela foi transferida para a matriz.No primeiro dia de trabalho lá, quem ela encontra ? Sérgio.O tal carinha por quem era secretamente apaixonada. Ele a cumprimentou de longe com um breve sorriso. O coração da moça deu um pinote. Dias depois ele vai ao setor onde ela trabalha, e ao chegar junto ( enfim ) diz : que bom ver você aqui. O coração quase explode no peito.

Por meio de colegas comuns se aproximaram.Todos iam a um mesmo restaurante, e eventualmente almoçavam juntos. Sua alma ficava louca de alegria nessas ocasiões. Nem sabia o sabor do que estava comendo. Ela só tinha olhos, ouvidos , boca, tudo enfim, para o dito cujo. Era uma felicidade só. O mundo podia até acabar depois de um dessses momentos.Tal era o êxtase.

Lá no início quando tiveram os primeiros contatos ele falou - Sempre desejei ser seu amigo.É claro que ela não gravou a última palavra.Ela pensou - ele sempre gostou de mim como eu dele. É conincidência demais ele me dizer exatamente o que eu queria dizer a ele.

Era público e notório o quanto ela gostava dele. Já havia comentários no círculo de amigos deles sobre este fato. Alguns mais impiedosos riam da bobeira dela. E, embora ele nunca tenha demonstrado um interesse maior que a amizade, jogava um charme pra cima dela.Alimentava discreta e dosadamente a ilusão dela. Por pura vaidade. Afinal quem não gosta de ter uma pessoa  que o considera o centro de suas atenções ?

Devido a essa corda que ele soltava para ela vez por outra,  Denize tomou uma dose extra de coragem e o convidou para almoçar num domingo. E com surpresa ouviu-o aceitar com um sorriso.

Tempos depois o convidou para ir a um show, à noite. Ele gentilmente declinou do convite alegando um compromisso já assumido. Ela achou normal, afinal foi de última hora. Fez- lhe outros convites. Aceitos com alguma raridade, e sempre quando para o almoço. Nunca para o jantar. Para as recusas ele sempre tinha uma desculpa que a ela parecia convincente. Era muito ocupado, o rapaz.

Ele continuava a ser o seu príncipe encantado. Apenas ainda não havia se dado conta disso ! Afinal,eram perfeitos um para o outro. Não podia ser mero acaso. o fato de agora estarem  trabalhalhando assim tão próximos.

E ao que constava ele era livre. Ja fora casado mais de uma vez.Tinha filhos de dois casamentos. Mas agora estava sem compromisso. Pelo menos era o que constava. Ela o reencontrou justo quando estava sozinho. Só podia ser um sinal.

Com o passar do tempo, ele já não se preocupava em justificar as negativas aos convites dela, apenas dizia - não, não vou não. Ou - não, não posso não. Ouviu isso uma dezena ou mais de vezes. Ela gostava de se enganar. Dizia que como tinham uma bela amizade, ele tinha receio de ao tentar algo mais, isso acabasse.

O prazer de estar em sua companhia era maior do que qualquer raciocínio lógico.Ela se sentia rica, importante mesmo, quando estava ao seu lado.Com ele iria até o fim do mundo. Ele era o abismo no qual se lançaria de cabeça, sem pestanejar, rezando para nunca chegar o fim.

Mas nuns raros lampejos de consciência ela ansiava mesmo era por jogá-lo no passado.Dela, claro, pois para ele não tinham uma história.Em tempo algum.

Um dia ao ligar para ele para comentar sobre um determinado show que havia na cidade, mal ela começa a falar , ouviu o famoso - Não, não vou não ! Bingo !!! De repente surgiu um ponto de luz na sua mente sonhadora.E só então ela encarou a verdade.A cruel realidade. Uma vez mais, ela estava sozinha nessa história.Que não havia nenhum impedimento para coisa alguma. O que havia era um desinteresse total por parte dele.Ela era uma companhia agradável para as horas de almoço.  Só. Nada mais.

A partir de então ela se prometeu nunca mais chamá-lo para parte alguma. Nem de noite nem de dia.

Ah ! Se ele soubesse que bastaria tentar alguma coisa de fato para ela sair correndo. E de príncipe encantado passar a sapo peçonhento. Em dois tempos. Na verdade os primeiros quarenta e cinco minutos já seriam suficientes.

Dança comigo?

O perfume dele, sua barba recém feita roçando no meu rosto, seu corpo coladinho ao meu, sua voz grave falando ao meu ouvido, ..., impossivel esquecer a primeira vez que dançei. Inacreditável não ter sido só um sonho. Estar em seus braços era tudo que sempre quis desde que o conheci.Ensaiei tanto, sozinha, esse momento.

Eu devia ter uns quatorze anos. Foi por ele por quem vivi a minha primeira paixão. Não digo que foi amor porque não se realizou. Ficou tudo no terreno da fantasia.Ele era mais velho uns cinco ou seis anos que eu. Na época isso fêz uma grande diferença.Ele me achava uma criança.

Era amiga de suas irmãs. Mas eu ia na casa dos pais deles era para vê-lo.E claro que ele notava como eu o olhava embevecida. Ele era o meu sonho de consumo.

Havia uma rádio local, que de 18 às 19 só tocava música romântica, todos os dias de segunda a sexta.E eu dava um jeito de estar sempre por lá neste horário. Era a hora em que ele chegava do trabalho e se arrumava para ir para a faculdade.E eu secretamente alimentava o sonho de que um dia ele me tirasse para dançar.


E foi assim, como se lendo meus pensamentos, que um dia o fêz. E dançamos na sala da casa dele.Não foi totalmente perfeito porque foi sob os olhares atentos do pai dele.Mas ficou gravada indelevelmente na minha memória, muito mais que o primeiro beijo.

Provavelmente toda a família sabia do meu interesse nele. Mas nunca houve comentários. Não na minha presença.

Dançamos outras vezes. Havia um clubinho na praça principal da cidade,que tinha dança aos sábados e domingos à noite. E eu passei a frequentá-lo ( escondido da minha mãe ) na esperança de que ele por lá aparecesse.

Não deu outra. Depois que ele descobriu que eu ia ao clube, ele deixava a namorada em casa e ia para lá dançar comigo.

Não havia maldade, nem dele , nem minha. Ele pelo prazer de dançar. Dizia que eu dançava muito bem , me elogiava sempre. Eu fechava os olhos e aproveitava aqueles breves momentos de felicidade.Não existia mais nada no mundo.

Minha mãe quando soube do que estava acontecendo, me proibiu de pisar no clube.Você vai ficar falada, dizia. Ele deixa a namorada e vai se esfregar em você! Ele está só se aproveitando de você.
E assim terminaram esses momentos maravilhosos da minha vida.

O tempo passou. Ele foi morar fora. Eu também me mudei.Ele casou.
Anos depois, indo passar um final de ano na minha cidade, nos reencontramos.
Ele me olhou agradavelmente surpreso e disse - Como você está bonita.
O que eu perdi !
Eu estava com vinte e um anos.Já não era uma criança.

Quado o conheci, eu estava preparada para casar, ter filhos e tudo o mais.Ele poderia ter sido o meu mundo.Minha vida teria sido totalmente diferente. Teria sido mais feliz do que sou? Jamais saberei.

De toda forma meu coração é repleto de agradecimentos. A tanta gente. E por tantas coisas ...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Objeto de estudo


Quando a alma não mais habitar meu corpo, quero doá-lo para uma faculdade de medicina.

Antes de assim decidir, havia pensado em pedir para ser cremada, mas isso demandaria um alto preço. Uma fábula. Não valeria a pena.

Pensei também em pedir para me jogarem ao mar, deixar os peixes, os tubarões, de preferência, pelo seu apetite voraz, darem cabo rapidamente do repasto. Mas tem a parte legal. Não seria certo solicitar isso a alguém. Se é que eu arranjaria um louco o suficiente para tal façanha. Talvez se pagasse... Mas aí volto ao problema do custo.
Idéia descartada.

Tudo isso em razão de não suportar velórios, enterros, missa de corpo presente, de mês, de ano, e sei lá mais o quê. Sempre achei essas cerimônias fúnebres todas sem sentido, dissonantes. O pregador profere uma série de palavras bonitas ( e vazias ) sem saber nem que tipo aquele ser humano foi. A maioria das pessoas ali estão mais por um sentimento de dever que de amizade ou vontade. É muito comum se ouvir dizer: fui porque não tinha outro jeito; há coisa das quais não conseguimos fugir; temos que cumprir com as nossas obrigações ... Fora os que comparecem na intenção de ver quem chorou, quem sofreu, quem sorriu.
O ambiente dessas ocasiões é triste, pesado, melancólico, tétrico. Não é de admirar que as pessoas vão só se não puderem evitar.

Decididamente não quero isso prá mim.

Depois, abomino a idéia de ter meu corpo trancado num caixão,jogado dentro de um buraco, com um monte de terra por cima. Imaginar as minhocas e outros bichos banqueteando-se naquela substância orgânica em decomposição causa-me náusea.

Tem também a parte prática da coisa. Gasta-se uma pequena fortuna para sepultar alguém. Um desperdício de dinheiro que pode ser aplicado em outras coisas mais agradáveis.
Se é pra gastar façam uns comes e bebes. É muito mais interessante. E ninguém precisará comparecer por obrigação.

Com a doação além de evitar esse dispêndio, ainda poderei ser útil aos estudantes,
que têm bastante dificuldade em conseguir esse material de estudo.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sacos de Pancada




Nunca pude compartilhar esse sentimento terno, quase que generalizado, quando o assunto é mãe.
A minha, quando éramos crianças, batia em mim e em meus irmãos por motivos tolos, e até mesmo sem. E não um simples tabefe, eram surras homéricas, com um dos cinturões do meu pai ou com o chicote trançado de couro do seu cavalo. Um de nós era obrigado a ir pegar o instrumento escolhido para aquele intento.

Antes de principiar a fustigar o transgressor do dia, ordenava que tirasse toda a roupa e levantasse os braços, então surrava sem dó nem piedade, até quase tirar sangue. Açoitava só as partes que ficariam cobertas quando vestidas, - nossas roupas, na época, chegavam à altura dos joelhos. As chicotadas castigavam a nossa pele, deixando marcas vermelhas no corpo e negras na alma. Por vezes, a dor era tão intensa e aguda que causava ondas de arrepio que percorriam todo o corpo nu, possivelmente quando o chicote batia num lugar já golpeado antes. Em algumas dessas ocasiões era impossível segurar a urina.

Éramos três: duas meninas e um menino. Enquanto o primeiro apanhava, ficavam os outros dois aguardando a sua vez, pois ela nunca batia só em um, dizia que era para a gente não ficar mangando uns dos outros. Havia uma tortura naquela espera,uma antecipação da dor, junto com a convicção de que muito em breve cada qual sentiria na sua própria carne, a ferida que o outro já experimentava. Nesse espaço de tempo que antecedia o tormento, nossas mãos contorciam-se de nervoso e cada um se debatia num conflito íntimo de não saber se rezava pedindo para ser o próximo e acabar logo aquele penar, ou se para adiar o martírio por mais alguns minutos, e quem sabe, nesse meio tempo algum milagre acontecia. Ela bem que podia morrer de repente, por exemplo.

Não havia uma ordem definida para o segundo e o terceiro. Não havia um critério pré-estabelecido. Podia ser um ou outro. Era uma escolha de momento. Quando considerava que aquele inadvertido, o que havia facilitado o pretexto para a saraivada de chibatadas, já havia apanhado o bastante, ela saía do quarto, olhava para os outros dois, apontava o dedo na direção de um e dizia : agora venha você.

Havia também a orquestração do choro : não podia ser muito alto para os vizinhos não escutarem, nem muito baixo que ela não pudesse ouvir, ou nenhum, porque significava que estávamos fazendo pouco dela. Se segurasse o choro, tinha gênio ruim e ficava apanhando até chorar. Se chorasse pouco, voltava a apanhar para poder chorar mais. Se um risse do pranto do outro e ela percebesse, era o sinal de que aquele não apanhara o suficiente, então era espancado novamente.

Se a sova ocorresse no final da tarde, logo depois tínhamos que tomar banho, lavar bem o rosto, para que nosso pai ao chegar a casa para o jantar, não percebesse que havíamos chorado. Se por acaso ele indagasse o porquê de estarmos com os olhos inchados e vermelhos e a gente contasse o que houve, ela prometia que no dia seguinte a surra seria dobrada. Mas ele nunca nos interrogou !

Nessas noites, custávamos a pegar no sono, sem encontrar uma posição na rede que não provocasse alguma dor.

Por conseguinte, ainda hoje, sinto um certo estranhamento quando ouço ou leio que mãe é o ser mais doce e meigo que pode existir, que mãe é sinônimo de acolhimento, carinho , proteção e outras cousas do gênero ...
Nesses momentos ponho-me a matutar: - Por que cargas-d'àgua ninguém nunca jamais falou isso à digníssima senhora, nossa mãe?

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Miolo de Pote

Semana Santa me lembra infância. Quando a gente comia bacalhau com uma vergonha danada. Almoçávamos silenciosamente,acabrunhados.No íntimo cada um de nós rezava, para que nenhuma das nossas amigas, ou mesmo algum conhecido dos nossos pais batesse à porta àquela hora. Se isso acontecesse cada um corria até a cozinha para esconder o prato,engolia sem mastigar direito o que tivesse na boca, com o coração batendo a mil, tal era o vexame, e negar ao chegar na sala se perguntassem se a gente estava almoçando. Não, já acabamos faz tempo.

Naquela época comer bacalhau na Semana Santa era apresentar atestado de pobreza. Era o mesmo que num dia comum comer feijão com farinha, puro sem tempero. O tempero propriamente dito era a carne, mas na falta desta, também podia ser uma manga ou uma banana. Até mesmo sardinha em molho de tomate.Ah não posso esquecer daquelas latinhas de carne em conserva, que também chamávamos de quitute. Não me recordo se esse era o nome da marca na latinha.Aquilo fazia uma festa !Se um dos filhos reclamava que a comida estava sem gosto, nossa mãe falava : você é que não está com fome. Tempero de comida é fome. Quando a gente não tá com fome fica botando gosto ruim em tudo. Quando a gente tá com fome de verdade come até pedra e acha bom. Era isso que ela dizia. Volta e meia.

Hoje, comer bacalhau é chique. Qualquer receita que leve este ingrediente é muito apreciado e valorizado. É top do top. É quase tão chic quanto o Brasil emprestar dinheiro ao FMI.

sábado, 28 de março de 2009

Tempo, Senhor do Destino



Há momentos na vida em que tudo de que precisamos é falar com alguém. Não com uma pessoa qualquer, mas com alguém que estimamos, que julgamos especial. Ela, provavelmente, nada poderá fazer por nós, dependendo da gravidade da situação,entretanto se ela estiver lá, nos disponibilizar alguns minutos do seu dia, já nos terá feito muito. Já nos terá feito tudo.
Ela saberá ouvir sem nos interromper, e no final nos dirá palavras de conforto. Reafirmará sua amizade e ainda dirá , embora cansada de nos ouvir ,que pode voltar a procurá-la quando precisar. Que estará sempre lá ...
Todavia,nem sempre podemos contar com isso. Muitas vezes essa pessoa amiga já está assoberbada com suas próprias obrigações. Não tem tempo. Nossa ligação naquele momento é um transtorno. Nem cogita que àquele chamado pode ser muito importante para quem o faz.
Isso já aconteceu comigo. Já bati na porta de pessoas que não estavam disponíveis para me ouvir. É bem provável que eu já tenha feito o mesmo com alguém. E Lamento. Lamento por mim que não fui acolhida quando precisei, lamento por não ter acolhido quem de mim necessitou.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

De luz e de Sombra


Há um lado obscuro em cada ser. Tão obscuro que até mesmo quem o possui desconhece sua dimensão e profundidade. Não por acaso tem um ditado que diz que não devemos colocar a mão no fogo por ninguém. Ele se nos revela geralmente em ocasiões extremas. Por exemplo, ao sofrermos uma violência, ao sermos desrespeitados em nossos direitos, ao sentirmo-nos ofendidos em nossa própria pele ou na de quem nos é caro. Ele se revela também em situações de conflito interior, ou quando queremos conquistar alguém. Para se tornar merecedora desse afeto, há pessoas que são capazes de coisas inimagináveis. Fingem ser quem não são. Em regra, fingem ser melhores do que na realidade são. Dizem até que no amor e na guerra todas as táticas são válidas.
Falamos de uma pessoa ausente o que não diríamos em sua presença. Nem sempre é por pura maldade. Carentes como a maioria de nós somos, estamos sempre tentando agradar a pessoa que está ao nosso lado, dizendo muitas vezes o que ela quer ouvir, e não, o que pensamos de verdade.
Mas há também um lado claro e brilhante em cada ser. Que nos leva a superar limites,transpor barreiras, ir além, ...
Chegamos a surpreender não só aos outros como a nós mesmos.Não é incomum ouvir alguém dizer : se há algum tempo me dissessem que eu seria capaz de tal feito , eu não acreditaria. Por isso alguns chegam a tomar atitudes exemplares, heróicas.
Enfim, somos todos seres multifacetados. O importante é não adotar uma máscara,e usá-la como se fosse nossa real face.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Fernando Pessoa ( 1888-1935 )



A literatura,como toda arte, é uma confissão de que só a vida não basta.
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Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei aonde ela me levará , porque não sei nada.
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No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.
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Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me despersa e sobressalta!
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A razão é a fé no que se pode compreender sem fé.
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Vivemos todos , neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem.
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De meu, só sinto uma incapacidade enorme, um vácuo imenso, uma incompetência ante tudo quanto é vida.
Nunca aprendi a existir.
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Ler é sonhar pela mão de outrem.Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.
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Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado, pertence ao mundo e a toda gente.
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Fragmentos do Livro do Desassossego.