quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sacos de Pancada




Nunca pude compartilhar esse sentimento terno, quase que generalizado, quando o assunto é mãe.
A minha, quando éramos crianças, batia em mim e em meus irmãos por motivos tolos, e até mesmo sem. E não um simples tabefe, eram surras homéricas, com um dos cinturões do meu pai ou com o chicote trançado de couro do seu cavalo. Um de nós era obrigado a ir pegar o instrumento escolhido para aquele intento.

Antes de principiar a fustigar o transgressor do dia, ordenava que tirasse toda a roupa e levantasse os braços, então surrava sem dó nem piedade, até quase tirar sangue. Açoitava só as partes que ficariam cobertas quando vestidas, - nossas roupas, na época, chegavam à altura dos joelhos. As chicotadas castigavam a nossa pele, deixando marcas vermelhas no corpo e negras na alma. Por vezes, a dor era tão intensa e aguda que causava ondas de arrepio que percorriam todo o corpo nu, possivelmente quando o chicote batia num lugar já golpeado antes. Em algumas dessas ocasiões era impossível segurar a urina.

Éramos três: duas meninas e um menino. Enquanto o primeiro apanhava, ficavam os outros dois aguardando a sua vez, pois ela nunca batia só em um, dizia que era para a gente não ficar mangando uns dos outros. Havia uma tortura naquela espera,uma antecipação da dor, junto com a convicção de que muito em breve cada qual sentiria na sua própria carne, a ferida que o outro já experimentava. Nesse espaço de tempo que antecedia o tormento, nossas mãos contorciam-se de nervoso e cada um se debatia num conflito íntimo de não saber se rezava pedindo para ser o próximo e acabar logo aquele penar, ou se para adiar o martírio por mais alguns minutos, e quem sabe, nesse meio tempo algum milagre acontecia. Ela bem que podia morrer de repente, por exemplo.

Não havia uma ordem definida para o segundo e o terceiro. Não havia um critério pré-estabelecido. Podia ser um ou outro. Era uma escolha de momento. Quando considerava que aquele inadvertido, o que havia facilitado o pretexto para a saraivada de chibatadas, já havia apanhado o bastante, ela saía do quarto, olhava para os outros dois, apontava o dedo na direção de um e dizia : agora venha você.

Havia também a orquestração do choro : não podia ser muito alto para os vizinhos não escutarem, nem muito baixo que ela não pudesse ouvir, ou nenhum, porque significava que estávamos fazendo pouco dela. Se segurasse o choro, tinha gênio ruim e ficava apanhando até chorar. Se chorasse pouco, voltava a apanhar para poder chorar mais. Se um risse do pranto do outro e ela percebesse, era o sinal de que aquele não apanhara o suficiente, então era espancado novamente.

Se a sova ocorresse no final da tarde, logo depois tínhamos que tomar banho, lavar bem o rosto, para que nosso pai ao chegar a casa para o jantar, não percebesse que havíamos chorado. Se por acaso ele indagasse o porquê de estarmos com os olhos inchados e vermelhos e a gente contasse o que houve, ela prometia que no dia seguinte a surra seria dobrada. Mas ele nunca nos interrogou !

Nessas noites, custávamos a pegar no sono, sem encontrar uma posição na rede que não provocasse alguma dor.

Por conseguinte, ainda hoje, sinto um certo estranhamento quando ouço ou leio que mãe é o ser mais doce e meigo que pode existir, que mãe é sinônimo de acolhimento, carinho , proteção e outras cousas do gênero ...
Nesses momentos ponho-me a matutar: - Por que cargas-d'àgua ninguém nunca jamais falou isso à digníssima senhora, nossa mãe?